Fui à Bienal recentemente e, sinceramente, saí com uma mistura de frustração e tédio. O que era pra ser um espaço de celebração literária virou um shopping de tendências enlatadas. Em vez de cuidado e curadoria, encontrei um amontoado de bancas desorganizadas, sem divisão por autor, gênero ou editora — um verdadeiro labirinto mal montado.
De um lado, livros em péssimo estado — rasgados, velhos, alguns com cheiro de mofo — sendo vendidos como se fossem raridades. Do outro, obras “famosinhas” do TikTok empilhadas como vitrines de modinha: capas bonitas, títulos chamativos e conteúdo raso, muitas custando R$70, R$80. E nem era edição especial — era só mais uma fórmula pronta, feita pra vender.
Hoje, o que se vê com frequência são os chamados dark romances e PUTARIA disfarçada de literatura. SIM, PUTARIA — histórias que mais parecem catálogos de fetiches mal escritos, onde relações tóxicas são romantizadas e o erotismo virou um apelo barato, repetido até a exaustão. É como se fosse moda gritar “hot” pra tudo, sem nenhuma substância por trás.
E veja bem: não é que eu não goste de um erotismo bem feito 🫦 — aliás, vou confessar: eu gosto sim de uma sacanagem literária bem escrita, daquelas que fazem a gente fechar o livro e respirar fundo kkkk. Mas o que se vê hoje é só apelação travestida de trama. O problema não é o sexo, é a falta de vergonha na narrativa. O erotismo pode e deve ser parte da literatura. O problema é a preguiça criativa vestida de desejo. Quando o enredo gira em torno de quantas vezes o casal transa por capítulo, talvez o leitor precise mais de uma toalha do que de um marcador de páginas.
Alerta de um Spoilerzinho do livro Ghostwriter.
Isso me lembra Ghostwriter, livro que estou lendo agora, onde a protagonista Helena Ross descobre que a famosa “Marka”, autora de best-sellers eróticos, é na verdade o Mark. “Marka” é o pseudônimo de Mark, um escritor apaixonado por literatura profunda que, diante do fracasso comercial, precisou abandonar seus sonhos para vender esses romances hot feitos sob medida para viralizar e encher bolso — porque, no mercado editorial, qualidade não paga conta. Ele esconde a alma sob camadas de clichê e PUTARIA, enquanto tenta sobreviver numa indústria que prefere o raso e o rápido.
E aí entra o ponto crucial: o mercado literário virou o retrato da lógica capitalista empurrada goela abaixo do leitor. Um lugar onde a mercadoria é mais importante que a mensagem. Onde a arte se dobra ao que dá like, ao que rende rios de dinheiro, ao que viraliza. A literatura virou produto — e, como todo produto em tempos de capitalismo tardio, tem que ser rápido, fácil, desejável e esquecível. Quem escreve com profundidade vira margem. Quem pensa demais atrasa o lucro.
MCadê os autores nacionais fora do mainstream? Cadê os livros que machucam de um jeito bom? Aqueles que te deixam com a cabeça zonza, o peito cheio, os olhos embaçados?
Kafka uma vez escreveu, com uma verdade que atravessa séculos:
“Em geral, acho que só deveríamos ler livros que mordem e arranham. Se o livro que estamos lendo não nos acorda como uma pancada na cabeça, por que o estamos lendo, afinal?”
E é isso que tem faltado: livros que mordem, que arranham, que arrebentam a alma só pra depois costurá-la de volta com palavras.
O que se encontra, na maioria das vezes, são títulos que não arranham nem a superfície. São bonitinhos na prateleira, instagramáveis na estante, mas vazios por dentro. Literatura de plástico, feita pra consumo rápido e esquecimento instantâneo.
Comprei dois livros. Um escondido numa pilha esquecida, pouco conhecido. O outro, famoso, mas que só agora me chamou. Comprei mais por insistência do que por empolgação. Não pelo preço, não pela capa, mas porque, no meio do caos, foram os únicos que pareceram carregar alguma verdade.
No fim das contas, a indústria está mais interessada em lucro fácil do que em fomentar amor por leitura. Faltou alma. Faltou provocação. Faltou literatura com carne, com corte, com ruído.
Porque livro de verdade não é passatempo. É rasgo. É espelho. É abismo. É abraço.
Se não for pra te virar pelo avesso... então pra quê lê-lo?
Livro bom é aquele que quando vc termina, te deixa olhando pro horizonte com cara de perdido. Adoro essa sensação.
Gosto mto da fluidez de seus textos. Vc escreve mto bem.